terça-feira, 5 de agosto de 2014

Castigo nem sempre é a melhor solução

Para a educadora e mestre em pedagogia moral, Flávia Vivaldi, fomentar o diálogo e colocar regras e limites é mais educativo e construtivo que castigar. O ideal é aproveitar os conflitos para aprender! É assim que se permite o desenvolvimento da empatia e da reciprocidade.

Leia o artigo publicado no blog "Aluno Em Foco", do site Gestão Escolar.

Castigo é a solução?

Nossas reflexões ao longo desse ano têm girado em torno do desenvolvimento humano, mais especificamente do do aluno. Qual o meu papel na formação das personalidades das crianças e jovens com os quais convivo e desenvolvo meu trabalho? Minhas práticas têm se orientado para meus objetivos? Essas e outras são questões que nos acompanham e que, de fato, devem nos acompanhar.

Uma dúvida recorrente de pais e educadores é saber em que medida deve-se usar (ou não) os castigos como estratégia para disciplinar as crianças, principalmente os pequenos. A criança pequena aprende o que pode e o que não pode ser feito por meio dos castigos aplicados quando não obedece? É correto colocar pra “pensar” na cadeirinha, no tapete, no cantinho, ou seja lá qual for o nome dado para o lugar mágico responsável pelas transformações de atitudes negativas em positivas?

Pois bem, vamos refletir sobre essas questões. Em primeiro lugar, pensemos na criança que atualmente chega para nós, nas escolas. Não podemos desconsiderar dados extremamente relevantes e que, certamente, nos ajudam a entender melhor alguns comportamentos de nossos pequenos. A criança que recebemos hoje na Educação Infantil, na maioria das vezes,reina sozinha, ou está prestes a ganhar seu primeiro irmãozinho ou, em outras palavras, está prestes a perder o seu trono. Estou afirmando que filho único é problema? Não. Estou inferindo que quando esse reizinho chega à escola, viverá, provavelmente, pela primeira vez, a experiência do compartilhar, do ceder e, seguramente, de se frustrar. A estreia da convivência entre pares!

Trinta anos atrás, a quantidade de filhos era significativamente maior – eram cerca de três a quatro crianças enfrentando diariamente os conflitos interpessoais próprios e típicos entre irmãos. As disputas e todos os tipos de estratégias de resolução de conflitos da idade aconteciam ainda dentro da família. A atenção dos adultos era, obrigatoriamente, compartilhada por todos, não havendo tempo nem espaço para privilégios e concessões desmedidas. Onde quero chegar? Na lógica de que a criança já chegava à escola com mais ferramentas psicológicas para lidar com as frustrações e conflitos característicos da convivência coletiva. Sem contar com outras características da contemporaneidade que incidem diretamente sobre a formação dos valores e atitudes de nossos alunos: o consumismo, o imediatismo, a transitoriedade (material e relacional). Fiquemos somente no fato de que a família reduzida contribui, em parte, para a fragilidade no manejo social de nossos pequenos.

Reinar sozinho, como filho único, não necessariamente justifica a satisfação imediata de todas as vontades e desejos. Toda criança necessita lidar com a expectativa, o adiamento e a frustração e precisa também de regras e limites para suas ações. Aliás, o ingresso do pequeno no universo moral se dá por meio das regras colocadas pelos adultos que a cercam. A criança que não vivencia limites certamente levará mais tempo para vencer e superar seu egocentrismo.

Estabelecer as regras e limites, porém, é diferente de castigar.

O sentido de castigar é o mesmo do de punir, causar sofrimento e não necessariamente corrigir, formar ou construir. Colocar uma criança pequena para pensar no que fez é, no mínimo, desconhecer sobre desenvolvimento. Essa criança não ficará pensando ou refletindosobre o que deve ou não ser feito.

Uma atitude construtiva para a formação da criança é a busca pela restauração, por meio dasanção por reciprocidade. Por exemplo, se o pequeno suja, quebra ou estraga algo, é interessante convidá-lo a reparar (ou ao menos participar da reparação); se bate, empurra, ou machuca outra criança, mediar a situação, promovendo espaço para quem foi vítimafalar sobre como se sentiu: que não gostou, que está doendo, triste ou muito bravo. É importante indagar, também, o responsável pelo ato: você gostaria que fizessem isso com você? De que outra maneira você poderia ter agido? O que você pode fazer para corrigir sua atitude? Nesse sentido, permitindo a expressão dos sentimentos de quem está sofrendo e promovendo espaço de reflexão a quem causou o sofrimento, favorecemos o exercício daempatia, de se colocar na perspectiva do outro, ou seja, da reciprocidade. É importante, contudo, que o adulto permita que as partes envolvidas se coloquem, sem atropelar o momento com soluções impostas, do tipo: peça desculpas, dê um abraço no amiguinho, saia de perto dele, etc.

Retirar temporariamente a criança da roda de conversa ou de qualquer outra atividade em que ela não tenha conseguido seguir as regras do grupo é também agir por reciprocidade. É legítimo a criança perceber que suas atitudes têm consequências, desde que a situação seja conduzida de maneira construtiva, sem grandes discursos, alteração de voz, ou qualquer tipo de intimidação. É nesse momento que retomamos a regra, com firmeza, e colocamos para a criança que, quando ela sentir que consegue participar da atividade cumprindo o que foi combinado, ela poderá retornar.

Não tomemos a sábia expressão dos antigos “é de pequenino que se torce o pepino”, ao pé da letra, entendendo que é pelo castigo que se aprende. A construção e o desenvolvimento da personalidade não se dão pela punição e pelo sofrimento, mas pela qualidade das relações estabelecidas.

Fonte: Artigo da Educadora Flávia Vivaldi, publicano no blog Aluno em Foco

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